terça-feira, 12 de maio de 2020

Crítica: Hollywood, nova minissérie da Netflix, cria uma nova realidade para a época de ouro do cinema norte-americano


Em tempos sombrios como o que estamos vivendo, um pouco de otimismo e fantasia nunca é demais para provocar uma reflexão importante sobre onde poderíamos estar se houvesse mais sentimento de empatia e respeito desde épocas passadas. Ao brincar com elementos de ficção e realidade, a nova minissérie da Netflix “Hollywood” segue a mesma linha do recente filme de Quentin Tarantino, “Once Upon a Time in...Hollywood”, não apenas por reproduzir a época de ouro da indústria cinematográfica norte-americana, mas também por fazer uma espécie de “reimaginação” do passado.

Com produção do renomado Ryan Murphy e Ian Brennan, a minissérie retrata um grupo de atores, diretores e roteiristas ambiciosos, que buscam entrar no mundo do cinema hollywoodiano à qualquer custo. Apesar da construção de um ambiente esperançoso, a história faz questão de percorrer por temas complexos e bastante problemáticos para compreender o funcionamento da indústria cinematográfica. Por meio de alusões diretas à acontecimentos reais, a trama aborda sobre a doentia dinâmica do star system, relacionamentos abusivos e exploratórios entre atores e seus agentes, além do racismo e o machismo da época.

A história se desenrola, inicialmente, a partir do personagem fictício Jack Castello, interpretado pelo ator David Corenswet, que deseja se tornar um astro. Entretanto, diante das dificuldades financeiras e da falta de oportunidade para prosseguir com seu sonho, ele aceita uma oferta para trabalhar em um posto de gasolina que funciona como um ponto de prostituição (o que de fato existiu). O estabelecimento é administrado por Ernie, personagem de Dylan McDermott que foi inspirado na figura do cafetão Scotty Bowers. O posto de gasolina é livremente retratado na série, entretanto, vale ressaltar que Bowers de fato organizava encontros secretos com celebridades, proporcionando até grandes affairs gays, sem que colocasse em risco a reputação de seus clientes. Logo depois, Archie Coleman, um roteirista negro interpretado por Jeremy Pope, adere ao grupo de gigolôs e também almeja entrar para os grandes estúdios de cinema.  



A trama ganha ritmo quando o filme “Meg”, inspirado no trágico suicídio da jovem atriz dos anos 30, Peg Entwistle, é aprovado, mesmo com a atriz negra Camille Washington, interpretada por Laura Harrier, no papel principal. Ainda que representasse uma ameaça aos padrões aceitos na época, o inovador longa-metragem obtém forte apoio dos produtores do estúdio Ace Pictures. Assim como todas as criações de Murphy, fica evidente a provocação com a realidade, uma vez que tal situação jamais aconteceria com tamanha facilidade, ainda que o curso dos acontecimentos favorecesse a produção de um filme com essas particularidades.


A homenagem à Peg dialoga diretamente com o enredo central da minissérie: aspirantes a atores que buscam ascender suas carreiras e sobreviver em meio à podridão que gira em torno da indústria cinematográfica. Uma cidade ensolarada e cheia de sonhos no sul da Califórnia que possui tanto o poder de realizar desejos como de destruir vidas. 

Embora apresente um enredo quase como um “conto de fadas” quando comparado aos fatos reais, a produção de Ryan Murphy e Ian Brennan revela seu diferencial ao explorar temáticas, como assédio e preconceito, focadas no gênero masculino. “Hollywood” trabalha com uma versão livre do astro Rock Hudson, personagem de Jake Picking, o qual vive uma relação abusiva com o seu cruel agente, Henry Wilson, interpretado brilhantemente por Jim Parsons. A minissérie consegue extrair de ambas as inspirações, a real complexidade do que acontecia nos bastidores da tela grande. Jim Parsons, mais uma vez, é preciso e intenso em sua atuação como um dos maiores agentes de atores da história de Hollywood. É um personagem talentosamente construído, capaz de suscitar as mais diferentes emoções no espectador, desde raiva e desdém à compaixão e bom humor. 

O perfil dos personagens é belamente executado na tela a partir do roteiro e da direção de atores, uma vez que conseguimos entrar em contato com as diversas camadas de cada um deles, por meio de sutilezas ao longo dos episódios. E isso é determinante para que ao final da série, o público se depare torcendo ou se emocionando com a trajetória dos protagonistas. Além disso, é incrível como a produção é capaz de explorar o elenco jovem sem perder de vista o entusiasmo e a entrega do elenco maduro. Dick Samuels, interpretado por Joe Mantello, Ellen Kincaid, interpretada por Holland Taylor e Avis Amberg, interpretada por Patti LuPone compõem o grupo veterano, responsável por um papel importante no desenrolar da trama. Eles são as primeiras pessoas com um certo poder de decisão a se posicionarem a favor da produção do filme “Meg”.


A escolha por um cenário mais vibrante e entusiástico de Hollywood não é por acaso. Com toques de comédia e drama, a minissérie apresenta uma trama cativante e gostosa de acompanhar. Através de uma visão romântica e fantasiosa, ela procura transparecer a relevância e o simbolismo da representatividade nas grandes telas, que ainda hoje enfrenta adversidades, embora em proporção bem menor se comparada com a época retratada. Por trás de todo o glamour e recordes de bilheteria,  “Hollywood” explicita a influência e o poder que o cinema desempenha sobre a sociedade, não apenas como entretenimento, mas como um simples óculos capaz de transformar a visão das pessoas sobre o mundo. O otimismo irradiado pela minissérie é apenas mais uma das formas de reescrever histórias. Dessa vez, um pouco utópico demais, mas que não faz mal nenhum imaginar.

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